Um programa como "Condenados", agora estreado na SIC, se fizer sentido, e faz, será em qualquer caso, e é, mais uma acha para a fogueira em que a Justiça vai ardendo, em prolongado lume brando.
Daí que tenha sido exagerado o cuidado posto na apresentação, a cargo de Rodrigo Guedes de Carvalho, para não ferir a instituição. Era dispensável o lugar comum ("errar é humano"), como foi supérflua a afirmação de que o programa não pretende pôr em causa sentenças, nem "fazer o julgamento dos julgamentos em causa". Ao telespectador pareceu certamente que a SIC se desculpava pelo atrevimento. E não havia razão para desculpas.
O trabalho de Sofia Pinto Coelho foi irrepreensível, quer no plano técnico, quer no plano ético. A jornalista, com formação em Direito, encontrou uma condenação mais que duvidosa e investigou o caso com rigor e absoluta ausência de sensacionalismo.
O que não a impediu de mostrar a inconsistência da «prova»; a fraca credibilidade do «móbil» do alegado crime; o mais que discutível critério usado pelos juízes para avaliar os depoimentos de psicólogos e familiares; a fragilidade da sentença que condenou o cabo da GNR, Sérgio Casca, a 20 anos de prisão. Ou, até, a afirmar que a forma como o caso foi conduzido, quase parece uma montagem para encenar a culpa do condenado. E deixou no ar indícios de que, na guarnição da GNR em causa, havia quem recebesse subornos ou se envolvesse em negócios de droga, em total impunidade.
O que a primeira edição de "Condenados" mostra é que o tribunal não teve dúvidas onde a dúvida era a evidência maior e, assim sendo, devia ter contado em favor do réu. Não contou, e o tribunal despachou o assunto. Não podemos saber, de ciência certa, se Sérgio Casca é culpado ou inocente, mas fica claro que foi condenado de forma insuficientemente fundamentada. Talvez porque, como disse, creio, o juiz desembargador Rui Rangel, ouvido depois de terminada a reportagem, "se o juiz estiver convencido da prova não há espaço para o erro judicial". Curiosa afirmação.
Num outro plano, a RTP2 passou "Quem mora na minha cabeça", um documentário de António Seabra, com realização de Miguel Seabra Lopes, sobre a doença mental que assola muitos dos mais velhos. Neste pequeno filme usou-se, claro, de outra linguagem, de um diferente tipo de escrita, com um ritmo e uma abordagem plástica diversos. Foi, a um tempo, belíssimo e doloroso. Como se ouviu aos idosos, para eles "a solidão é terrível" e a "velhice é medo, medo de tudo". O pior é que somos uma sociedade a envelhecer, mas incapaz de apoiar os seus velhos e de criar condições para a sua integração. Estarão, também eles, sumariamente condenados?
Nenhum comentário:
Postar um comentário