A decisão da Prisa de suspender o "Jornal Nacional" de sexta-feira cria rebuliço político, além de causar um tsunami interno: a direcção da Informação demitiu-se e resta saber se a peça sobre o Freeport vai hoje, sexta-feira, para o ar noutro modelo de noticiário.
Ontem, quinta-feira, ao fim do dia, a equipa de Manuela Moura Guedes responsável pela peça que prometia novas revelações sobre o caso Freeport, envolvendo o primeiro-ministro, estava a ser reeditada. Se for João Maia Abreu, director de Informação demissionário, ainda em funções até que nova direcção seja nomeada, a fazer o alinhamento, poderá assistir-se a um dos focos da polémica. Terá sido esta investigação jornalística, em curso há mais de dois meses, a gota de água para a Prisa.
Os espanhóis proprietários da Media Capital, detentora da TVI, há uma semana que preparavam este cancelamento, cuja consequência mais visível é o afastamento de Manuela Moura Guedes da antena. Tinham dado instruções para que a promoção ao programa, na qual aparecia José Sócrates, primeiro-ministro, a fazer acusações à TVI, não fosse para o ar. Juan Luís Cébrian, presidente da Prisa, com ligações ao Partido Socialista espanhol, chamou a si esta decisão. Bernardo Bairrão, director-geral da TVI desde a saída de Moniz, ainda terá tentado demover os gestores.
Na Redacção, o tema do braço de ferro entre a Administração e a pivô era recorrente. Apesar dos sinais que a Administração lhe ia dando, Manuela Moura Guedes mostrou-se surpreendida com o fim do noticiário. José Eduardo Moniz, ex-director da TVI, que entretanto deixou a estação para se tornar vice-presidente da Ongoing, disse que o que aconteceu é "um escândalo a todos os títulos: do ponto de vista político, empresarial e da liberdade de Informação em Portugal". No passado, recorde-se, assistiu à saída de Marcelo Rebelo de Sousa, imposta pela Administração de Paes do Amaral (ver página 5). Internamente, ventilava-se a hipótese de uma nova direcção de Informação começar hoje, à pressa, a exercer funções. E os nomes apontados são os de Júlio Magalhães e Henrique Garcia.
As reacções à suspensão do programa sucederam-se em catadupa. Próximo das 21 horas, foi a vez de José Sócrates se demarcar do que se estava a passar na TVI. "Esta decisão é da exclusiva responsabilidade da Administração da empresa. Nem eu, nem o Partido Socialista, nem o Governo tivemos nada a ver com ela". Chega a dizer: "Não tenho medo do 'Jornal Nacional', não o procurei evitar". Mas também reconheceu, quando pressionado pelos jornalistas, que tinha sido "insultado" várias vezes pelo noticiário em causa. Foi também o primeiro-ministro quem fez a relação entre a retirada deste telejornal da grelha e o escrutínio eleitoral que se aproxima. "Não quero que o meu partido pague (por isto) nas eleições".
Azeredo Lopes, o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), considerou o episódio "absolutamente inaceitável e de uma total ausência de sentido de oportunidade com uma consequência objectiva de interferência num processo eleitoral". Em comunicado, a ERC foi mesmo mais longe, ao levantar a hipótese de se poder estar diante de uma "eventual violação de valores com dignidade constitucional, de que é exemplo a Liberdade de Imprensa". Qualquer interferência de uma administração em conteúdos jornalísticos é inconstitucional (ver página 5), segundo explicam alguns juristas. A ERC anunciou a abertura urgente de um processo de averiguação. Curiosamante, a mesma ERC reprovou, em Maio passado, o trabalho desenvolvido em algumas peças do "Jornal Nacional".
Já a Media Capital limitou-se a dizer que as razões que conduziram à alteração visam "homogeneizar e reforçar a consistência do 'Jornal Nacional' ao longo da semana, um dos espaços informativos mais importantes da TVI".
Além da equipa directiva, que conta com Mário Moura, também os chefes de Redacção se demitiram, e os editores colocaram os lugares à disposição. Os jornalistas, preocupados com a credibilidade profissional, resolveram repudiar a medida da Administração e exigir esclarecimentos aos gestores.
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